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quarta-feira, 27 de março de 2019

O papel do Islã na geopolítica mundial





O Islã na geopolítica mundial
O intertítulo que coloquei acima não é bem preciso, pois não é uma religião que joga um papel em um cenário político mundial, mas sim seus seguidores, aqueles que interpretam as escrituras que lhes são sagradas. Mas, deixemos assim. Até porque sabemos que, por exemplo, o papado de Francisco irá acarretar mudanças profundas não só na estrutura de sua Igreja, como pode interferir na geopolítica mundial. No caso do Islã é a mesma coisa, ainda que estes não tenham uma figura central como o papa.
Podemos dizer que existem hoje dois tipos de muçulmanos no mundo. Os mais politizados e progressistas, defendem uma luta anti-imperialista e pela soberania nacional de todos os povos e países. Ou seja, a não interferência das potências mundiais nos assuntos internos dos países. Existem outros que defendem exatamente o contrário, como podemos ver o caso da República Árabe da Síria que sofre ataques de “jihadistas” vindos de várias partes do mundo pelo simples fato que querem depor o seu presidente democraticamente eleito pelo povo sírio. Acabam por fazer, na prática, o jogo do imperialismo estadunidense.
Isso fica mais claro quando vimos no passado não tão distante que, entre 1979 e 1989, a CIA e os EUA deram total apoio ao que depois foi caçado – e morto – como o terrorista mais procurado, que foi Osama Bin Laden. Ele recebeu treinamento, armas e apoio de inteligência para formar a sua organização terrorista que ficou posteriormente conhecida como Al Qaeda, hoje funcionando quase que como uma franquia, com “filiais” em vários países do mundo. Eles combatem única e exclusivamente os cristãos e os xiitas, em vários países. 
Da mesma forma ocorreu com o Iraque de Saddam Hussein entre os anos de 1980 e 1988, quando este aceitou apoio dos EUA para agredir o Irã durante oito longos anos. Para isso, da mesma forma que Saddam Hussein, recebeu todo tipo de apoio dos EUA para essa agressão. Vejam que não é coincidência essas agressões tanto no Afeganistão quanto no Irã e que ocorrem simultaneamente. Ainda que o Irã nada tenha de socialista e jamais tinha sido um país de influência soviética desde a sua revolução islâmica em 1979, era preciso desgastar de uma só vez tanto o Irã, quanto a URSS. Assim age o imperialismo estadunidense. 
Os xiitas tem, ao meu modo de ver, da realidade geopolítica mundial hoje, uma percepção bastante clara sobre o significado da luta anti-imperialista. O país chave de onde emanam essas orientações, que vem sendo duramente perseguido, é o Irã, em especial após a sua revolução islâmica de 5 de fevereiro de 1979, que completou recentemente 40 anos.
Mas também não só o Irã. Hoje tanto a Síria quanto o Iraque, como o Líbano, vivem sob governos de orientação anti-imperialista. E no Líbano, em particular, vemos a presença de uma das organizações mais conscientes do significado da luta contra o EUA que é o Hezbolláh (Partido de Deus em árabe). Os militantes e combatentes do Hezbolláh têm forte presença na Síria, na defesa do povo sírio e de seu governo do presidente Bashar Al Assad. Mesmo no Líbano, os cristãos libaneses e sunitas sabem que quem protege o país dos ataques de Israel é mesmo essa organização revolucionária. 
As estimativas mais recentes dão conta de que existem no mundo em torno de 1,5 bilhões de muçulmanos, dos quais estima-se que 400 milhões sejam xiitas. Estes fazem uma peregrinação, além de Meca, para a cidade de Carbala, que fica a 85 Km de Bagdá no Iraque. Hoje essa cidade tem pouco mais de 600 mil habitantes. Foi nela que no dia 2 de outubro de 680 da nossa era (e ano 61 da era Islâmica), Hussein, filho de Ali e neto de Maomé foi martirizado. Esse dia é conhecido como ashura, dia que Maomé jejuou enquanto em vida segundo os sunitas e que os xiitas relembram o martírio do neto do Profeta. Se achamos que cinco milhões de pessoas indo à Meca todos os anos é muita gente, a cidade de Carbala, onde está o túmulo de Hussein, é visitada todos os anos por mais de 20 milhões de pessoas! Diz-se que é a maior concentração de seres humanos em deslocamento (não naturais do local) da terra.
No mundo hoje temos 47 países que integram a Organização da Conferência Islâmica. Dos 1,5 bilhões de pessoas que seguem a religião islâmica, apenas 400 milhões de pessoas são árabes. Muitas vezes nós confundimos povo com a religião. Como jamais podemos dizer “povo cristão” (qual a semelhança de um cristão inglês com um brasileiro? Nenhuma. O que os une é apenas a religião), não podemos dizer “povo muçulmano” e muito menos achar que todos os árabes são membros da religião islâmica.
Como dissemos acima, vemos nos xiitas uma compreensão melhor da luta anti-imperialista. Mas, não que entre os sunitas não existam combatentes anti-imperialistas. Mas, boa parte destes por influência Saudita com o wahabismo e do salafismo (mais forte no Qatar), tem dado combate mesmo tanto aos xiitas quanto a cristãos em países como o Líbano e a Síria. Lamentamos isso, pois o imperialismo bate palmas para esse comportamento. 
No Oriente Médio, formou-se o que vem sendo chamado de Arco da Resistência, com os países acima mencionados, mais os nasseristas, socialistas, comunistas e patriotas em geral que defendem um Oriente Médio sem a presença e a influência nefasta dos EUA. Em especial os xiitas, não aceitam jamais que os EUA mantenham duas bases militares exatamente ao lado das cidades mais sagradas para a sua religião, que são Meca e Medina. Eles dizem que a Arábia Saudita está nas mãos de infiéis e traidores do Islã, por entregar parte de seu território aos EUA. Muitas vezes eles usam o termo “grande satã”. 
Nesse sentido, entendemos que o Islã e seus seguidores, jogarão cada dia um papel mais preponderante e decisivo na luta contra o mundo unipolar, pois acabam defendendo a multipolaridade, que os beneficiaria. Por isso essa aliança ampla, que em algumas localidades não é formalizada, mas apenas tácita. 
Eu arrisco dizer que ela começou na índia no dia 1º de março de 2006, quando George W. Bush (filho) foi recepcionado com uma das maiores manifestações políticas que esse país já tinha presenciado. Ela só foi esse sucesso por uma aliança estabelecidas entre os comunistas indianos – país onde são fortes – com os muçulmanos e patriotas em geral que repudiaram a visita do chefe do imperialismo ao seu país. 
Acho que essa aliança, que não é formal, mas apenas tácita, deve se consolidar em torno de uma plataforma comum, que leve em conta a política da não interferência nos assuntos dos países (autodeterminação dos povos), a soberania nacional e a busca de um mundo multipolar. Acho que veremos em breve isso acontecer. 
* Sociólogo, professor universitário (aposentado), pesquisador, analista internacional e autor de dez livros na área de política internacional e Sociologia. É colaborador das páginas de Internet Brasil 247, Fundação Grabois, Vermelho, Resistência e Duplo Expresso.
Notas
 1 - Para o aprofundamento sobre o tema das religiões monoteístas recomendo a leitura de Os monoteístas – Os povos de Deus (volume 1), de Francis Edward Peters, editado pela Editora Contexto, em SP, em 2007, com tradução de Jaime A. Clasen, com 360 páginas.
2  Garaudy justifica isso com a seguinte passagem: “Deus revela a sua palavra e a sua lei e não a si mesmo. Para um muçulmano, acreditar que o ‘verbo se fez carne’ ou ainda aplicar a Deus em ‘nome do pai’ sería alterar a transcendência de Deus’”. Página 50 do livro referenciado em nota posterior. 
3 Para entender melhor essa questão dos Imãs xiitas, veja nesta página do Wikipédia https://pt.wikipedia.org/wiki/Os_Doze_Imãs que tivemos aceso em 18 de fevereiro de 2019, às 14h40. 
4  Ver o livro de Karen Armstrong, uma ex-freira católica de Londres, das mais respeitadas pesquisadores das três religiões monoteístas. Um de seus livros é O Islã editado no Brasil pela Editora Objetiva, Rio de Janeiro em 2001, página 112. Ela tem 12 dos seus inúmeros livros traduzidos para o português (do Brasil), dos quais eu li nove deles: 
5  A comprovação disso está no sugestivo do excelente livro, cujo título é Islã: o credo é a conduta, também editado pela Vozes, no Rio de Janeiro, em 1990, organizado por Roberto S. Bartholdo Jr. e Arminda Eugênia Campos, com 340 páginas.
6  Adoto em minhas citações do Corão a edição da Folha de São Paulo, da sua coleção intitulada “Livros que mudaram o mundo”, editada em São Paulo em 2010, cuja tradução primorosa foi feita pelo meu amigo Prof. Samyr El Haiek. O livro possui 704 páginas e exatas 2.598 notas explicativas. 
7  Recomendo expressamente a leitura de um de seus livros com tradução para o português do Brasil, que é Promessas do Islã, traduzido por Edison Darcy Heldt, da Editora Nova Fronteira, publicado no Rio de Janeiro em 1988, com 192 páginas.
8  Estas duas passagens estão no seu livro já referenciado nas páginas 23 e 24. 
9  Essas são passagens do livro Beharol Anvar, de Allame Majlesi, volumes 1 e 2, páginas 32 e 195
10.  O Islã, obra já citada, página 208.
11  Alcorão, edição citada da Folha de São Paulo, página 386. 
12   Opus citatus página 353. 
13  Opus citatus página 383.
14  Sociologia do Islã de Enso Pace, editado pela Editora Vozes, Rio de Janeiro, 2005, página 91. 

Originalmente publicado pela Fundação Mauricio Grabois.

quarta-feira, 20 de março de 2019

Uma diretora de cinema visitou a Venezuela por um mês e isso foi o que ela encontrou (Com vídeo)

Carolina Graterol afirma que conseguiu observar "um país atingido por sanções".

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Graterol Carolina cineasta e o cinegrafista Alan Gignoux excursionaram para a Venezuela por um mês, para filmar um documentário sobre a realidade do país. Depois dessa experiência, o diretor disse ao blog financeiro americano ZeroHedge que "Juan Guaidó é o homem mais odiado da Venezuela".

Em diálogo com a RT, ela acrescentou que estiveram "em muitas cidades" e percorreram 5.000 quilômetros dentro do território venezuelano. "Não encontramos pessoas dormindo na rua, não encontramos pessoas comendo lixo, na verdade, vimos cidades muito limpas", disse ele.

No entanto, ela esclareceu que poderia observar "um país atingido por sanções". "Eu realmente queria ver era o que acontece, o que é a guerra econômica e como ela funciona," Graterol disse, notando que procurou recolher para o filme "exemplos de como guerra econômica afirma que o país sofre internamente a partir um setor dos empresários e também externamente ".

Em relação ao povo venezuelano, definiu-o com "uma energia muito grande de pessoas empreendedoras". E finalmente apontou que algo que chamou sua atenção foram "as casas da Missão vivienda", das quais "2.500.000 foram construídas desde 2011". "Nós os vimos por toda parte, ficamos muito impressionados com a qualidade das resdiências", concluiu ele.


Link da entrevista abaixo:


Matéria originalmente publicada por RT

terça-feira, 19 de março de 2019

Nunca antes na história deste país houve tamanho vira-lata como Bolsonaro na Presidência da Republica

Imagem relacionada

Charge de Vitor Teixeira

A recente viagem de Bolsonaro e sua trupe aos Estados Unidos gerou uma dezena, para dizer o mínimo, de episódios bizarros que pouco já foram vistos em qualquer época do passado no mundo por parte de um presidente da república. Alguns incautos podem dizer que é exagero ou histeria, já que efetivamente o Brasil, assim como todos os países esmagados pelo imperialismo, tiveram inúmeros representantes subservientes aos interesses estrangeiros.

Mas não é, pois, existem algumas peculiaridades nesta atual ordem estabelecida pelo bolsonarismo-olavista. Primeiramente, Bolsonaro, nunca representou historicamente na sua trajetória politica os interesses da burguesia, isso é claro, por conta da completa indigência politica a qual sempre fez parte a sua imagem.

Sempre esteve entre o baixo clero da politica, vivenciando o dia a dia do fisiologismo e do parasitismo politico em relação aos favorecimentos que um cargo parlamentar pode oferecer. Não a toa fez questão de inserir todos os filhos nessa carreira, segundo uma interpretação profissional ''excêntrica'', muito melhor do que seguir numa empresa privada ou mesmo no funcionalismo público comum.

É obvio que, diante de tais fatos, nunca esteve no radar das grandes forças financeiras, geopolíticas e religiosas para representar um projeto orgânico da classe dominante. Exatamente por isso, sentia-se na liberdade de fazer discursos chamativos e entrevistas fora do ''comum'' para que fosse possível a conquista de seus quinze minutos de fama, como qualquer celebridade que se prostitui por uma capa de revista ele conseguiu o feito que buscava.

Com a ajuda sistemática que a esquerda forneceu á sua imagem, a partir da histeria e um desespero realmente deprimente a cada pronunciamento do sujeito, isso proporcionou o impulsionamento da criação do personagem ''politicamente incorreto'' e ''sem mimimi''. A figura do Bolsonaro foi passando de folclórica para incomoda, pois, começou a angariar apoio por parte de uma parcela dos jovens e classe média ressentida com o então petismo onipresente.

Da situação anterior para a conquista do poder institucional não demorou muito, tendo as redes sociais como motor principal da organicidade ideológica de sua politica parlamentar e denunciativa, frente ao '' marxismo cultural'', ''kit gay'' entre outras bizarrices manipuladas e novamente dadas de bandeja pela esquerda em sua ânsia por ''desconstrução social''.

Para construir a candidatura para a Presidência da Republica desde o inicio optou pelo completo servilismo e subserviência aos interesses norte-americanos. Mas não só isso, indo mais longe, oferecendo ate o que os próprios norte-americanos ainda não haviam exigido ''formalmente'', como uma base militar em solo nacional.

Bolsonaro não é um líder, sequer tem algum principio de proteção democrática ou nacionalista para com o solo e as riquezas brasileiras. Dos discursos de ''fuzilamento ao FHC'' tendo como motivo a privatização da Vale e Petrobrás restaram apenas à fisionomia assombrosa de um personagem completamente fora da base tradicional diplomática e estratégica referente ao desenvolvimento nacional, mesmo sob uma perspectiva atlantista.

Seu mestre, Olavo De Carvalho, é o mentor que comanda todo o núcleo alucinado e que espanta, obviamente pela esquizofrenia, até os militares que tem interesse numa politica também alinhada com os norte-americanos e o neoliberalismo, porém, sem bater palmas para ''o louco dançar'', assim diz o ditado popular.




Abaixo deixarei algumas declarações e fatos do desvairado em sua procissão pelos Estados Unidos nesta semana:


Governo Bolsonaro pediu para se aproximar da Otan



Na CIA, Bolsonaro se encontrou com diretora acusada de tortura


https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/03/na-cia-bolsonaro-se-encontrou-com-diretora-acusada-de-tortura.shtml


Bolsonaro assina acordo que permite que os EUA lancem satélites em Alcântara






'Brasil ama os EUA', diz Guedes ao oferecer abertura unilateral ao governo Trump



Bolsonaro dispensa visto para turistas de EUA, Austrália, Canadá e Japão; medida é unilateral



Em discurso nos EUA, Paulo Guedes diz que ele e Bolsonaro amam os americanos

“Se vocês forem lá podem comprar várias coisas, podem comprar imóveis. Nós estamos vendendo. Sexta-feira passada nós vendemos 12 aeroportos. Daqui três a quatro meses nós vamos vender petróleo, o pré-sal”, declarou o ministro










quarta-feira, 13 de março de 2019

O capitalismo conquistou o Rap nacional ?

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O Rap nacional vem se transformando tanto em sua forma como em seu conteúdo, é um processo de mudança iniciado, principalmente, a partir da nova leva de MC´s que surgiram no cenário da grande mídia nos anos de 2011, 2012. Entre eles alguns nomes como o Emicida, Projota, Costa Gold etc.

São apenas alguns exemplos que retratam o inicio da mudança substancial do Rap estruturalmente falando. Essas novas safras surgiram no vácuo deixado ''institucionalmente'' pelo Racionais Mc´s que havia dado um ''tempo'' desde o seu ultimo álbum ''Mil trutas Mil tretas'' lançado em 2006  fato bem representativo da inexistência comunicacional que as bandas e cantores de Rap tinham naquele período.

Mas as famosas batalhas da São Bento nunca pararam de produzir e de lá recomeçaram a despontar novos nomes que atrairiam a atenção do público e fariam fama em cima de um Rap, a qual enxergava, precisava ser renovado.


A criação de um novo ''mercado''


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E com a nova safra, outros caminhos dentro do gênero foram sendo construídos e expandidos. Uma das criticas mais comuns dentro  do Rap nacional era que não havia a mesma estrutura econômica e reconhecimento midiático que o Hip Hop norte-americano e, portanto, para que isso acontecesse existiria a necessidade de introduzir a temática festiva, superficial e sem a tradicional visão social como base para as letras.

A politica econômica de um país pode transformar diversos aspectos culturais, comportamentais e de consumo da população. E o Brasil mudou, particularmente no inicio dos anos 2000 com governo Lula até o auge ''aceleracionista'' de 2013 da gestão Dilma.

Consequentemente, o boom dos investimentos e relativo avanço social brasileiro, particularmente dos mais pobres alterou a percepção social da periferia, em particular, da juventude. Criando, então, um ''abrandamento'' ideológico e da inquietação costumeira dessa parcela da população.Hoje, excessivamente em busca do consumo, do ter, baseada em marcas e estilos vindos das propagandas televisas e internet do que na letra mais ''dificil'' e ''chata'' transformadora da reflexão critica.

O ''surgimento'' do Trap representa exatamente essa linha, digamos, revisionista dentro da nossa cultura nacional do que conhecemos como Rap. É a influência norte-americana de mercado que muda a essência rebelde e critica de um gênero que desde o seu nascimento em terras tupiniquins sempre teve apenas um objetivo: a denuncia e a conscientização da população periférica e favelada contra a violência policial e a falta de apoio estatal para os trabalhadores.

Obviamente não existe um problema em si quando se canta sobre alegria, festas, mulheres entre outras coisas dentro do Rap. Até porque, evidentemente, o trabalhador, o jovem pobre, também vive outras coisas além das dificuldades denunciadas historicamente dentro do gênero. 


Não é  novidade alguma que diversas empresas entraram de cabeça no mercado do Rap, , e o que antes seria um sacrilégio, agora, é comemorado por muitos, como por exemplo, empresas patrocinarem rappers, rapper fazer propaganda para banco (Caso do Emicida). A grande questão que se coloca é: Qual será a linha majoritária que veremos dirigir o Rap nos próximos anos?

Não devemos deixar de citar, evidentemente, que nos dias de hoje a luta entre as duas linhas: a representada por MC´s como Djonga, Diomedes, ADL, MV Bill, que mantém a origem da batalha cultural e social contra o status quo e a outra linha de festa como Hungria Hip Hop, Matue30, entre outros que buscam se limitar a parte comercial e midiática do movimento estão praticamente no mesmo nível de ''força'' dentro desse mercado, mesmo tendo perspectivas diferentes no que tange os projetos musicais.


O Trap de mercado vencerá ?



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A tradição vencerá ou a lógica do mercado conseguira contaminar e ditar os rumos do ultimo reduto rebelde da musica nacional?

O samba foi em grande medida naufragado pelos interesses das gravadoras, ou seja, a famosa industria cultural que, claro, vai muito além da produção musical e sua lógica de funcionamento.

É possível ver um processo parecido acontecendo com o funk, antes um gênero criminalizado e afastado das grandes casas noturnas e canais de televisão, hoje, chave mestra de qualquer musica pop. Todavia, perdendo completamente o conteúdo marginal(seja de critica ás situações vividas na favela ou de exaltação do crime) apenas servindo como o novo axé do século XXI.

Ao que parece, por enquanto, existe um eixo relativamente equilibrado, com as duas linhas dentro do RAP avançando sobre o mesmo público, dois estilos convivendo sem que aconteça a subjugação do outro. Mas, com o atual cenário politico nacional a rebeldia antes morna e ''fora de moda'' voltou a bradar em alto e bom som pelos graves dos beats mais ouvidos pelos fones por ai.


quinta-feira, 7 de março de 2019

''A cada 15 dias um policial militar comete suicídio em São Paulo'' segundo dados do relatório da Ouvidoria das Polícias do estado

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Há cinco anos, o pai de Fernanda*, um policial militar de Santa Catarina, cometeu suicídio no caminho para o trabalho. O corpo do PM, de 40 e poucos anos, foi encontrado logo pela manhã dentro do seu carro, estacionado próximo à casa da família, que descobriu que a causa da morte era suicídio ao liberarem o corpo no IML. Jorge* usou a própria arma de trabalho para por fim à vida.

“Foi algo que ninguém esperava, fomos descobrir que ele teve depressão depois que ele se matou. A depressão dele é aquela que tem alteração de humor, ele sempre teve isso. Depois que se matou que fomos entender o que era. Meu pai nunca falou sobre isso [depressão]. No dia achamos que tinham matado ele, não sabíamos que tinha sido suicídio. Até porque só falaram para a gente que ele tinha se matado perto do velório. Foi difícil porque ele não nos contava nada. Ele era bem fechado, era o jeito dele”, diz a filha.

A jovem, com 16 anos na época, conta que a Polícia Militar tinha ciência da necessidade de acompanhamento psicológico do seu pai. “A polícia também nunca tirou ele da rua, mesmo sabendo das situações. A polícia sabia, tanto que ele chegou a consultar um psicólogo da instituição, mas aí ele não quis mais ir, não gostou e não o obrigaram a sair da rua. Ele continuou trabalhando. Meu pai passou 20 anos na polícia, todo esse tempo na rua.”

Em todas as regiões do país, que conta com cerca de 425 mil policiais militares, são altas as taxas de suicídio e de transtornos mentais. Em São Paulo, por exemplo, estado com o maior efetivo policial do país (93.799 agentes),120 policiais militares cometeram suicídio entre 2012 e 2017.

São números explosivos, resultado de décadas de omissão, como explica Adilson Paes de Souza, hoje coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo. A primeira vez que viveu de perto um suicídio na instituição, lembra, foi nos anos 1980. Um de seus colegas na PM apareceu de surpresa no serviço, visivelmente alcoolizado. Não explicou o motivo da visita, mas Paes de Souza conta que ele fez questão de se despedir de um por um, antes de ir embora, de volta para o bar. Uma hora mais tarde, ele e seus colegas de farda foram chamados pelo superior para atender a ocorrência de um suicídio. Aquele PM, que alguns conheciam desde os tempos de academia, havia se matado.

Pesquisador de segurança pública, Paes de Souza é doutorando da Universidade de São Paulo (USP), e seu tema principal é a inadequação da formação policial para lidar com a pressão da violência cotidiana. O treinamento exigente – quando não abusivo – desde a entrada na corporação prolonga-se em um cotidiano de rigidez hierárquica e intimidação, agravando o estresse, o medo e a angústia inerentes à profissão. Quase sempre vividos em silenciosa solidão.

“Há muitos casos que não são notificados e muitos não buscam o tratamento psiquiátrico porque vão sofrer chacota no ambiente de trabalho. Serão chamados de covardes e fracos; os comandantes podem crer que eles estão enrolando para matar serviço, por exemplo. É um ambiente bem machista e de virilidade, em que não podemos assumir fraquezas. Eu fui treinado assim, com os trotes na academia, os trotes das unidades em que passei. Você é humilhado e tem que aguentar porque o bom militar aguenta, o guerreiro aguenta toda e qualquer violência e acha isso normal. Nos fazem achar que fomos feitos para isso, mas ninguém foi feito para isso. Quando a PM não assume que seus policiais têm problemas, a instituição está fechando uma panela de pressão vazia, sem água, que vai explodir um dia”, adverte Paes de Souza, que ainda carrega as cicatrizes da violência sofrida na profissão. “Bom, eu faço terapia”, diz.

Violência policial e sofrimento individual

O problema ocorre em todo o país, especialmente nas regiões em que a polícia é mais violenta, como o Rio de Janeiro. Um grupo de psicólogos da PM com pesquisadores do Grupo de Estudo e Pesquisa em Suicídio e Prevenção (GEPeSP), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), investigou a questão através de uma pesquisa realizada entre 2010 e 2012 entre policiais militares. Entre as conclusões, um dado impressionante: no Rio, os PMs têm quatro vezes mais chances de cometer suicídio em comparação à população civil.

Os resultados do estudo foram publicados em 2016 no livro Por que policiais se matam?, coordenado pela pós-doutora em sociologia pela Uerj Dayse Miranda. Entre os problemas apontados, estão a dificuldade de pedir ajuda e a forma como são tratados na corporação quando adoecem.

Entrevistado pelos pesquisadores, um praça da PM disse que passou a ser tratado de forma pejorativa pelos colegas e oficiais após a licença médica e seu retorno ao posto. “Fiquei 15 dias em casa; quando eu voltei pra trabalhar, eu estava trabalhando já com arma de fogo, normalmente. Não entrei nem em Sina [Serviço Interno não Armado]. Quando eu voltei, eu fiquei seis dias detido no batalhão, preso. É. Meu tratamento foi esse. Eu fiquei dois dias hospitalizado e 15 dias em casa. No 16° dia, eu voltei à companhia. Me entregaram à tropa e fui punido”, disse.

Os dados apresentados pelo estudo de Dayse e sua equipe revelam que 58 policiais militares tiraram a própria vida e 36 tentaram suicídio entre 1995 e 2009 no Rio de Janeiro. “Embora esses números sejam altos, o trabalho de campo revelou que essas cifras estão subestimadas. Muitos dos casos de suicídios consumados e tentativas de suicídio não são informados ao setor responsável por inúmeras razões. Entre elas, estão as questões socioculturais – o tabu em torno do fenômeno; a proteção ao familiar da vítima (a preservação do direito ao seguro de vida) e a existência de preconceito ao policial militar diagnosticado com problemas emocionais e psiquiátricos”, afirma o relatório da pesquisa.

De acordo com dados obtidos via Lei de Acesso à Informação na Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, entre janeiro de 2014 e junho de 2018 três PMs foram diagnosticados, por dia, com transtornos mentais. Entre janeiro e agosto de 2018, 2.500 policiais militares foram afastados por transtornos mentais, mais que o dobro dos afastados em todo o ano de 2014 (836).

Para os autores do estudo, os profissionais da saúde da PM devem estar atentos para sinais de deterioração da saúde mental dos agentes, “no atendimento ao policial militar, principalmente aquele em atividade-fim, e em constante atuação de enfrentamento junto à criminalidade, o profissional de saúde deverá estar atento a comportamentos que demonstrem o afastamento das condutas de segurança requeridas para a prática da ação policial militar”, e complementa: “deve-se afastá-lo de sua arma de fogo ou outro meio que tenha à disposição e conduzi-lo ao psicólogo. É interessante entrar em contato com familiares ou amigos próximos na tentativa de fortalecer a rede de apoio”.

Números explosivos
Ao longo de dois meses, a reportagem enviou mais de 50 solicitações de acesso à informação para os 26 estados e Distrito Federal, questionando as secretarias de Segurança Pública sobre o número de policiais que cometeram suicídio e a quantidade de PMs afastados do serviço por transtorno mental. Onze estados e o DF informaram ter registros de suicídios, mas apenas dois enviaram os dados referentes ao período de janeiro de 2008 e julho de 2018, como solicitado pela reportagem: Pernambuco e Rio Grande do Sul.

Ainda que incompletas, as informações obtidas mostram que a quantidade de policiais militares afastados nos estados que responderam às solicitações é alta. Há relatos de afastamentos e suicídios em todos os 26 estados e no Distrito Federal. No Espírito Santo, por exemplo, aumentou o número de tentativas de suicídio entre PMs após a greve que paralisou parte dos policiais no estado no início de 2017. A Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar e Bombeiro Militar do Espírito Santo (ACS/ES) registrou, nos meses seguintes à greve, pelo menos cinco suicídios. Além disso, ao menos 13 policiais da 5ª Companhia do 4º Batalhão da PM foram afastados por agravamento de transtornos psíquicos. Entre as causas mais comuns relatadas está a perseguição perpetrada por oficiais de patentes superiores nos momentos pós-greve.

Em São Paulo, entre 2006 e 2016, 182 policiais militares cometeram suicídio: uma morte a cada 20 dias. A partir de 2012, a situação piorou. Entre aquele ano e 2017, 120 policiais militares tiraram a própria vida, um a cada 15 dias. Dados do relatório da Ouvidoria das Polícias do estado, publicados pela Ponte Jornalismo, mostram que houve 71 casos de suicídio em entre 2017 e 2018. Mais grave: houve crescimento de 73% nas ocorrências, com 20 casos ao longo de 2017 e 51 registros em 2018.

No Rio Grande do Sul, 50 PMs cometeram suicídio entre 2008 e 2018, período em que 10 se mataram em Pernambuco. No Ceará, entre 2011 e 2018, foram 18 PMs mortos por suicídio; enquanto no Rio Grande do Norte, entre 2010 e 2018, foram oito os suicídios – mesmo número dos ocorridos entre 2015 e 2018 em Alagoas.

Já no Distrito Federal, foram 11 suicídios entre 2016 e 2018, mesmo período em que 21 PMs se mataram na Bahia, de acordo com a Associação de Policiais e Bombeiros e de seus Familiares do Estado da Bahia (Aspra-BA). A PM baiana não confirma nem disponibiliza outros dados referentes aos suicídios cometidos no período.

Também forneceram dados sobre suicídios de PMs Maranhão – cinco mortes entre 2014 e 2018 –, Mato Grosso do Sul – 12 suicídios – e Paraná, 26.



PMs afastados por ano


Os demais estados alegaram falta de informações precisas sobre afastamentos e suicídios ocorridos na última década, uma dificuldade que o pesquisador Adilson Paes de Souza conhece de perto: “A instituição [Polícia Militar] não se abre. Você mal consegue dados e, sem eles, não é possível estudar o fenômeno ou entender como ele surgiu, como se manifesta e quais os caminhos para se superar esses problemas. Os poucos dados que se obtêm pela Lei de Acesso à Informação são, na maioria das vezes, incompletos”, diz.

Para Paes de Souza, a rotina de negar ou proteger dados relacionados à segurança pública no Brasil ganhou força durante o regime militar. “Em 1969, no auge da repressão, houve um decreto-lei, o 667, de 1969, que criou os policiais à imagem e semelhança do Exército. Uma tropa militarizada para combater os inimigos da sociedade. E essa tropa militarizada era considerada a nata, a casta, os únicos que poderiam salvar a nação do comunismo. Os militares acreditavam e acreditam que são a elite, que são os únicos que sabem o que é bom para todos. E, portanto, eles não precisam prestar contas a ninguém. É por isso que é tão difícil conseguir dados”, afirma.

O problema dos dados se repete quando a pergunta é sobre a quantidade de PMs afastados da função devido a transtornos mentais. No estado de São Paulo, dados obtidos via Lei de Acesso à Informação apontam que 4.115 policiais foram afastados para se submeterem a tratamentos psiquiátricos entre 2008 e 2018. Entretanto, em setembro de 2017, o portal de notícias VICE Brasil recebeu, também via Lei de Acesso à Informação, dados que apontavam que “entre 2006 e 2016, 15.787 PMs foram afastados temporariamente da corporação para se submeterem a tratamentos psiquiátricos”. Procurada pela Pública, a Polícia Militar do Estado de São Paulo não deu esclarecimentos sobre a discrepância numérica até a publicação desta reportagem.

Seis estados negaram à reportagem o acesso aos dados: Ceará, Pará, Goiás, Rondônia, Sergipe e Piauí. No geral, a justificativa apresentada pelos estados foi que as informações requeridas eram de caráter pessoal dos policiais e, portanto, sigilosas. Os dados requeridos pela reportagem não previam a identificação de nenhum servidor, apenas estatísticas e informações quantitativas.


Medo de morrer

Homens de farda não choram


A função “policial militar” está entre as mais perigosas, e o peso da alta mortandade profissional, somado ao temor da morte, pode ser, paradoxalmente, dois entre muitos fatores que influenciam a decisão do PM de cometer suicídio. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, um policial militar ou civil foi morto por dia em 2017 no Brasil.

Em 2014, o Rio de Janeiro foi o estado em que mais pessoas morreram em decorrência de ações policiais, foram cerca de 3 mil mortes. Paradoxalmente, no mesmo ano, o estado também foi o que mais perdeu policiais para a violência, com 98 mortos, seguido de São Paulo, com 91. “No geral, dos 398 policiais militares mortos por homicídios em 2014, quase 25% correspondem às mortes de policiais somente no estado do Rio de Janeiro. Esses dados sugerem que a alta exposição de policiais militares à letalidade policial pode torná-los mais suscetíveis à vitimização letal”, explicam os autores de “Por que policiais se matam?”.

O temor de adquirir transtornos mentais e comportamentais foi um dos temas da pesquisa realizada pelo Fórum de Segurança Pública em 2015. De acordo com o estudo, que ouviu mais de 10 mil agentes de segurança pública, 53,7% dos PMs têm receio “alto” e “muito alto” de desenvolver transtornos mentais. Dos PMs entrevistados, 15,1% sofrem de transtornos mentais comportamentais (TMC), como depressão e esquizofrenia, por exemplo.

Há outros fatores de risco para suicídios e transtornos mentais aos quais PMs estão expostos. A começar pela rigidez hierárquica, que faz com que os agentes escondam o problema de seus superiores. De acordo com a pesquisa “Vitimização e percepção de risco entre profissionais do sistema de segurança pública”, realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2015, 55,4% dos policiais militares têm receio “alto” e “muito alto” de manifestar discordância da opinião de um superior. Um problema agravado pela formação a que se submetem, como afirmou Paes de Souza, o que faz com que esses profissionais sequer procurem ajuda.

“No Rio de Janeiro, muitos PMs resistem ao afastamento porque acabam não entendendo [a sua necessidade]. Por serem formados para servir em qualquer circunstância, muitos têm o sentimento do dever e chegam a trabalhar [durante a folga] prestando serviços de segurança. Isso é muito comum”, explica Dayse Miranda. Ela também alerta para os prejuízos concretos que sofre o PM que passa por atendimento médico. “Com o tratamento psiquiátrico e a licença, o PM perde a gratificação ou adicional por algum tipo de trabalho. Isso é puni-lo duas vezes, puni-lo por estar doente. A desculpa é que o estado não garante isso. O estado do Rio não se importa com a saúde do policial militar. Eles querem colocar homens na rua e não consideram a sua vida. Os PMs saem atirando a esmo porque estão com medo”, ressaltou.

Em Santa Catarina, a situação não é diferente. “Aqui, se você tira licença médica ou tira férias, o PM perde R$ 700 do salário, então o policial prefere trabalhar do que perder aquele valor. Eles não param. Meu pai trabalhava como segurança por fora. Ele trabalhava cerca de 15 ou 16 horas. Trabalhava como segurança particular em supermercados e padarias, mas não podia, a PM não deixa”, conta Fernanda*.

Um estudo realizado em 2009 por Joana Helena Rodrigues da Silva, mestre em psicologia escolar e desenvolvimento humano pelo Instituto de Psicologia da USP, aponta para a relação entre a prática policial e implicações na saúde mental dos agentes. Para Joana Helena, o mesmo policial que vai às ruas com o intuito de combater a violência está vulnerável a ela e “não somente enquanto cidadão, mas também quando se coloca como combatente”.

Assim, o indivíduo submetido às práticas policiais passa a enxergar a sobrevivência de maneira física, comprometendo sua capacidade de reflexão, ou seja, “renuncia a tudo aquilo que não seja a destruição daqueles que querem destruí-lo”.


Corda bamba


Homens de farda não choram


Em uma padaria na região central de Joinville, Henrique*, um ex-policial militar de Santa Catarina e marido de Fernanda*, reflete sobre esse assunto: “O policial está sempre em uma corda bamba: se você vacilar, você morre. Se você exagerar, vai preso. Será que eu arrisco levar um tiro ou arrisco dar um tiro?”.

O relato do ex-PM catarinense corrobora a tese defendida por Joana Helena de que o policial em situação de risco pode recorrer involuntariamente à violência como mecanismo de defesa e, assim, utilizar as ferramentas à sua disposição para tal: a força física, a arma de fogo e o respaldo jurídico.

As promoções na carreira também ficam prejudicadas, de acordo com Paes de Souza. “A promoção de oficiais é por merecimento ou por tempo de polícia. E por merecimento você pode ser promovido mais rápido, porém, se você tem algum transtorno psicológico na sua ficha, é possível que você não seja escolhido para determinados postos para ‘não dar problema lá’”, explica.

Outro fator de risco para os policiais são os problemas familiares, que surgem como consequência do estresse da profissão e do baixo valor dos salários. Segundo a mesma pesquisa do Fórum de Segurança Pública, 51% dos policiais militares já tiveram problemas para garantir o sustento de suas famílias. Para complicar, 39,4% dos PMs têm familiares que sofreram algum tipo de violência e/ou ameaça por serem parentes de um policial, e 31,8% sofreram algum tipo de violência e/ou ameaça como forma de retaliação pela atuação do parente.

Ter um comportamento violento dentro de casa em consequência da tensão profissional também é comum. “O cara vai descontar em casa; vai desenvolver alcoolismo, uso de drogas ilícitas, dependência de remédios, como antidepressivos, e tentativas de suicídio. Se alguém acha que é normal a cada 15 dias um policial militar cometer suicídio, esse alguém deve estar louco”, diz Paes de Souza.

Uma pesquisa realizada pelo mestre em psicologia e coordenador da Saúde da Polícia Militar de Santa Catarina, Gustavo Klauberg, organizou dados do afastamento de 5.777 policiais e bombeiros militares do estado entre 2013 e 2016. Dentre as conclusões de Klauberg, destaca-se a prevalência de 6,32% de servidores com TMCs.

A pesquisa de Klauberg utilizou o sistema de corte transversal para analisar os dados de afastamentos da PM-SC. Na prática, isso significa que as causas prováveis das doenças e seus efeitos foram observados no mesmo intervalo temporal. Isso se mostra importante na análise, pois, sendo os transtornos mentais doenças influenciadas pelo cotidiano do paciente, contextos sociais específicos podem criar um ambiente favorável para o aumento no número de casos.

O pesquisador conclui que “cuidar da saúde do policial militar estadual é, portanto, estratégico para o Estado de Santa Catarina, tanto do ponto de vista econômico, considerando o investimento de dinheiro público nas forças de segurança, quanto de eficiência profissional, já que a saúde exerce importante influência no desempenho e na qualidade do serviço prestado”. Ele ressalta que, entre 2014 e 2016, o governo do estado de Santa Catarina gastou mais de R$ 40 milhões com o pagamento de salários de PMs e bombeiros afastados. Em 2014, o governo desembolsou cerca de R$ 6,5 milhões; já em 2016, o valor superou os R$ 18 milhões.

Além disso, os dados mostram que 79% dos 5.777 afastados tinham funções operacionais, como o policiamento. Klauberg conclui ainda que a maioria esmagadora dos pacientes, 97,3%, está nos cargos mais baixos da hierarquia. Entre 2014 e 2016, o aumento de servidores afastados foi de 238,4%.

São muitos os fatores que podem elevar o estresse dos agentes a níveis críticos. Entre os que aparecem com maior frequência em pesquisas, como a de Klauberg e de Dayse Miranda, estão históricos de abuso de álcool e outras substâncias, exposição a situações de estresse e violência, trabalhos em dois turnos e, também, maus-tratos por superiores na hierarquia militar.


Risco para si e para sociedade



De acordo com o Anuário do Fórum de Segurança Pública Brasileiro de 2018, 5.144 pessoas morreram em decorrência de intervenções policiais no Brasil. Isso equivale a 14 mortos por dia.

Um policial militar com transtornos mentais não diagnosticados ou não tratados pode representar um risco para si e para a sociedade; a alta exposição a situações de risco de vida acarreta, explica Klauberg, em sua dissertação, no aumento dos níveis de cortisol do indivíduo.

O cortisol é um hormônio envolvido diretamente no controle do estresse. Quando em excesso, pode resultar em falta de atenção, lapsos de memória, dificuldade de concentração e, a longo prazo, distúrbios do sono e alimentares. Esses sintomas, somados ao porte de arma e à atividade estressante da função policial, podem acarretar, por exemplo, excessos durante abordagens cotidianas que, teoricamente, seriam simples.

Para o coronel Adilson Paes de Souza, é possível compreender o comportamento violento e excessivo de policiais em abordagens com base no estudo da psique pela ótica do psicanalista referência na área, Sigmund Freud. Paes de Souza ressalta: “Segundo Freud, em A psicologia das massas, a massa tem uma psique própria, que é muito mais do que a junção das psiques dos sujeitos que a compõem. É aí que mora o perigo. Eu posso estar conversando com vocês sobre violência, depois ir ao Morumbi assistir a um jogo e matar um cara junto com outros torcedores violentos; e aí você me pergunta: por quê, Adilson? E eu não tenho como explicar, eu fui assimilado pela massa e aconteceu. Da mesma forma que os policiais cristãos vão à igreja, são absolutamente religiosos, mas quando assumem o serviço saem na rua e matam um, dois”.

Ele explica que a formação do policial militar, assim como a dos militares das Forças Armadas, tem uma ideologia própria e é transmitida a todos os policiais. “Eu fui formado durante a ditadura. Fui formado para saber que ‘militar é superior ao tempo; militar não chora; militar não sente medo; paisano [civil] é bom, mas tem muito’. Hoje, depois de 30 anos de PM e de estudos, eu percebo que estávamos sendo doutrinados”, relata. Para ele, essa ideologia transmite a sensação de heroísmo aos PMs. Em sua analogia, o coronel compara os policiais ao Super-Homem [Superman]. “’Eu sou o Super-Homem, tenho superpoderes, mas não sou bem resolvido’. Esse é o policial militar. O suicídio é uma das opções. O PM não aguenta. O falso eu do policial é ser um super-herói. Então, talvez, o PM cometa suicídio para eliminar esse falso eu e proteger o verdadeiro eu”, conclui.


800 mil suicídios por ano


Todos os anos, cerca de 800 mil pessoas cometem suicídio no mundo. Na prática, isso equivale a uma morte a cada 40 segundos. Os dados são da Organização Mundial da Saúde (OMS). Só no Brasil, mais de 11 mil pessoas se matam todos os anos.

O ato de atentar contra a própria vida não é uma novidade deste século, mas está crescendo em ritmo acelerado, junto com a ocorrência de transtornos mentais. O suicídio já foi considerado uma doença, uma espécie de “loucura momentânea”, mas essa ideia foi descartada e enterrada com a publicação de O suicídio, de Émile Durkheim no século 17. De acordo com o sociólogo francês, são inúmeras as causas que podem levar uma pessoa a dar fim à própria vida. São tantas as possibilidades que não seria possível apontar causas, mas apenas disposições e fatores agravantes.

De acordo com o autor, ainda em 1897 já era possível dizer que o suicídio não é um evento individual nem uma loucura que toma conta do ser humano. Para Durkheim, o suicídio nasce da soma de tendências suicidas, transtornos mentais e contextos sociais. Porém, nenhum desses elementos seria a sua causa e, sim, pontos de pressão que podem ou não culminar num suicídio consumado.

Para Durkheim, o suicídio é um fato social e sua preponderância nas sociedades se dá pela coesão social, ou seja, quando a sociedade não é unida e vive entre tensões sociais, verifica-se maior ocorrência de suicídios.

Quando as instituições sociais não cumprem tão bem seu papel porque estão desmoronando, as normas de convívio social acabam enfraquecidas e a vida em sociedade pode se tornar angustiante e desmotivadora, de maneira que essas ocorrências se somam a questões individuais que terminam por levar o sujeito a cogitar o suicídio.

Durkheim sugere, logo de início, que o suicídio está ligado ao passar do tempo. Ele traz dados de países que, no século 17, já demonstravam maior ocorrência de mortes voluntárias autoinfligidas em pessoas com mais de 40 anos, aumentando com o envelhecimento.

“Não só o suicídio é muito raro na infância, mas é com a velhice que atinge o seu apogeu e, entre a infância e a velhice, aumenta regularmente com a idade […] Mesmo o recuo por volta dos 80 anos, além de ligeiro e nem um pouco geral, é relativo. Visto que os nonagenários se suicidam em igual ou maior proporção que os sexagenários, e sobretudo mais que os homens em plena força da vida. Por aqui não se vê que a causa responsável pela variação do suicídio não poderia consistir em uma impulsão congênita e imutável, mas na ação progressiva da vida social?”, escreveu.

É importante ressaltar que, no período em que Durkheim chegou a tais conclusões, o mundo tinha outros contextos sociais que permeavam o suicídio como fato social. Agora, nos primeiros 19 anos do século 21, tem-se noticiado um aumento expressivo e alarmante de suicídio na infância. De acordo com o Mapa da Violência Letal contra Crianças e Adolescentes do Brasil, entre 2003 e 2013 houve um aumento de 10% nos casos de suicídio entre crianças e adolescentes dos 9 aos 19 anos no país. Um dos fatores que pode estar ligado a esse aumento, por exemplo, é a dificuldade que pais e professores têm de notar sinais que indicariam a possibilidade de ocorrência de transtornos mentais.

De qualquer forma, o suicídio ainda impera entre os mais velhos. E as suposições de Durkheim encontram eco nas mortes de policiais militares em todo o Brasil, não somente quando relacionadas a faixa etária, mas também quando somadas ao contexto social e profissional em que vivem as vítimas.

*Os nomes foram modificados para preservar a identidade da fonte.

Essa reportagem é resultado da Microbolsa de Violência Policial, realizado pela Agência Pública e a Conectas Direitos Humanos.